E viu a mulher que o fruto da árvore era bom para comer, desejável aos olhos e cobiçável a árvore, para entender o bem e o mal, e tomou seu fruto e comeu, e deu também ao seu marido, que estava com ela, e ele comeu.” Gênesis, 3:6
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Insólita sim, e bastante estravagante essa versão da história dos princípios do universo e dos nossos primeiros ancestrais, mas convenhamos, nada nessas narrativas que falam desses começos faz sentido para uma mente que quer ver positivismo em tudo. A propósito não haveria nenhum universo observável se não tivesse ele começado de forma extraordinária, com um toque de magia e pirotecnia, e mais, com uma grande demonstração de efeitos especiais. Porquanto é sabido por todos quantos gostam de um bom espetáculo, que nada é mais eficaz para ancorar crenças e conceitos em nossa mente do que uma boa imagem visual. O que é ouvido pode ser facilmente contestado, mas o que é visto é mais difícil, e todos sabemos que testemunhas oculares são muito mais respeitadas do que aquelas que argumentam apenas por ouvir falar.
Lendas apenas, podem ser que sejam. Nessa história, por falta de testemunhas oculares fica-se naquela posição de acreditar ou não. Seja como for, muitas pessoas aprenderam a usá-la para seus próprios propósitos. Fizeram dela uma justificativa para as maledicências que seus próprios Egos lhes inspiram. Porque a tal comilança dos frutos proibidos resultou na ideia de que toda a humanidade ficou marcada por um pecado que nunca cometeu, e a mente universal que se formou com a chegada do homus sapiem à história ficou impregnada de uma culpa que nunca existiu.
A se crer nesta versão da história, podemos dizer que tudo se originou da própria Vontade de Deus de ser conhecido e honrado. Ele fez o homem para ter um companheiro que amenizasse a sua solidão. Propósito egoísta, diríamos nós, se ele não fosse Deus, que é infenso a sentimentos humanos. Mas tudo pode ser. Nem foi por escolha do casal humano, nem sequer pela maldade premeditada de Samael que tudo aconteceu, mas sim porque Deus preferiu ouvir o seu próprio Ego. Não se pode, entretanto, julgá-lo mal por isso, porquanto, se ele não desse curso à sua vaidade de ser, o universo e nós mesmos não existiríamos .
O que resultou desse drama é que Samael, o Arcanjo caído e desterrado tornou-se o polo oposto que ele precisava para dar curso à sua potência, conquanto se possa imaginar que não era assim que ele queria que as coisas acontecessem. Até porque ele é Deus e Deus tudo pode. Ele poderia ter feito a coisa de outro jeito, mas seja por comodidade ou pragmatismo, deve ter pensado que se aconteceu e está dando o resultado que ele quer, então para que não deixar que tudo continue desse jeito para ver como é que fica? Afinal, ele é Deus, e quando quiser pode acabar com tudo e fazer de outro jeito, como dizem que já fez projetando outros mundos que não foram para a frente justamente porque não havia a polaridade necessária para que o equilíbrio da corrente energética que ele emite nessas manifestações da sua potência se estabilizasse. Esse equilíbrio só aconteceria com a aparição do homem e a aquisição de uma consciência por parte dele, o que ocorreu depois que ele comeu o fruto do conhecimento.
A consequência disso tudo é a conclusão, pouco canônica, reconhecemos, e até herética, de que, se não houvesse Diabo, também não haveria Deus e sem a existência do homem, nenhum dos dois teria existência garantida.
Assim foi que, um dia, que também talvez tivesse durado alguns milhares de anos terrestres, porquanto naqueles tempos não se contava o tempo pelo número de voltas que a terra dá em torno de si mesma como se fosse um cão correndo atrás do rabo, nem pelo tempo que ela leva para dar uma volta em torno do sol, como uma mariposa em torno de uma lâmpada, estando a mulher, agora chamada Eva, premida pela fome, foi ela ao pomar colher alguns frutos para comer. Esta é uma informação interessante, que poderia enriquecer o conhecimento dos estudiosos do comportamento humano, pois mostra uma tendência inata nos seres humanos; é que a mulher, quando tem fome ― não só de comida, mas também de alimento para outros sentidos, como o sexo, por exemplo ― ela vai atrás do que lhe pode satisfazer. E ela sabe o que quer e seleciona, porque o seu prazer está além dos sentidos. Já o macho não. Ele, quando não tem à mão o que lhe satisfaz, pega o que aparece. E satisfeito o seu prazer sensual, sai para outra experiência sem levar nenhum resquício daquilo que poderíamos chamar de espiritualidade simbiótica relacional, que é aquela memória neurológica que fica ao se estabelecer uma relação que nos traz .grande prazer. Isso, dizem aqueles que defendem a primazia do macho sobre a fêmea, acontece porque numa relação sexual entre o homem e a mulher, quem realmente come literalmente o outro é a fêmea, pois é ela que engole a parte masculina envolvida na relação e fica com o resíduo dela na forma do esperma que o homem deixa nela. Descontando a grosseria do raciocínio e a justificada indignação que ele pode levantar junto ao público feminino, eis aí um argumento sobre o qual vale a pena especular.
Voltando à Eva, tínhamos parado a imagem naquele momento em que ela viu, no centro do jardim aquela arvore maravilhosa, carregada de frutos lindos e apetitosos, coloridos de um azul brilhante, semelhante às lindas maçãs que nascem nas frias alturas das montanhas do Tibete, onde dizem, os resquícios desse mundo mítico e fantástico em que se passa essa história ainda é uma realidade que pode ser vivida. Os leitores que vem nos acompanhando até agora já devem ter percebido que recorremos à figuras de linguagem para dar um maior colorido a nossa narrativa e por certo também já intuíram que quando nos referimos à arvore aqui estamos a falar de um corpo, onde todos as fontes de prazer se alojam, como frutos apetitosos, agradável aos olhos e desejável ao paladar, como diz o livro. Porque aos ouvidos apraz o prazer de ouvir melodiosos sons, aos olhos contemplar lindas visões, ao paladar degustar deliciosos alimentos, ao tato as macias superfícies, ao nariz os aromas mais sutis, e é no corpo a árvore onde todos esses prazeres florescem.
Por isso Eva logo se tomou de intenso desejo de colher aqueles frutos e comê-los. Pois a mulher, como vimos, dos seus apetites não faz fantasias, mas ações, por isso pejo nenhum ela fez da decisão de colhê-los e prová-los.
Mas Eva lembrou-se da admoestação do Senhor “ dos frutos dessa árvore não deves comer, pois no dia em que o fizeres morrerás” teria ele dito à Adão e Adão a informara sobre isso. Eva então recuou e teria resistido ao seu desejo, mas Samael, ou o dragão- serpente, seja como for que possamos chamá-lo, com uma voz melíflua e cheia de malícia, como faz um homem quando quer seduzir uma mulher, lhe disse: “ Vejo que o fruto desta árvore te apetece, e o teu desejo lhe diz que deves dele comer. Tomai, pois, e comei, porque ele te dará plena satisfação”.
Há quem diga, e não nos parece sem razão, porquanto essa história é uma daquelas que se presta a muitas interpretações, que o tal fruto que Eva cobiçava era na verdade, o falo de Samael. E não invalida essa tese a crença medieval de que os anjos não tem sexo, pois se assim fosse não prosperariam tantas tradições que sustentam que muitos filhos de seres humanos foram gerados por seres celestiais, histórias essas admitidas até mesmo por meios canônicos quando se informa que na terra, no tempo dos primeiros patriarcas, habitavam gigantes nascidos de conúbios amorosos entre as filhas dos homens e os anjos caídos, os chamados nefilins, que agora sabemos, são aqueles querubins partidários de Samael que foram expulsos do céu por sedição. E se mais não fosse não devemos nos esquecer que Samael, nessa ocasião, não se apresentava na pele de um anjo, mas sim, na figura de um dragão, ou serpente, como quisermos figurá-lo, e este, muito bem, pode ostentar um falo.
“De todos os frutos que há neste pomar podemos comer,” disse Eva, ao ouvir o convite de Samael, “mas dessa arvore onde estás, o Senhor nos proibiu de comer, pois se o fizermos morreremos”, disse Eva.
“ Não é bem assim” disse Samael. “De nenhum modo morrerão. Na verdade, Deus os proibiu comer do fruto desta árvore, porque, no dia que o fizerem se tornarão iguais a ele próprio, pois os seus olhos se abrirão e conhecereis o bem e o mal.”
“ O que é o bem e que é o mal” perguntou Eva, agora já sentindo no próprio corpo aquele frenesi que antecipa a chegada do desejo. “O que sentes quando o falo de Adão vos penetra e deixa no teu ventre sua semente? Acaso sentes prazer nessa relação ou fazes isso simplesmente como obrigação da tua espécie, que foi feita exatamente para ser a matriz reprodutora dos descendentes do homem?” perguntou a serpente e Eva responde “Faço o que o Senhor me dispôs para fazer e nisso não penso porque não me foi dada a disposição para pensar mas somente para fazer o que tenho de fazer sem indagar porquê deve ser feito” e o dragão, em resposta diz “É exatamente disso que estou lhe falando, já que o teu corpo foi feito para cumprir os estatutos do Senhor mas não para refletir os que os teus sentidos te dizem, porque no dia em que isso acontecer tu, teu marido e teus descendentes deixarão de fazer as coisas que fazem apenas pela necessidade de fazê-las e passarão a querer saber porque as fazem. E é isso que Deus não quer que aconteça, pois se acontecer os seres humanos passarão a questionar a própria majestade dele, a razão da sua existência e o próprio sentido de tudo que ele faz e vos manda fazer”; Ao que Eva retruca “nós fomos feitos para obedecer ao Senhor e não podemos questioná-lo, e ele disse que morreríamos se comêssemos desse fruto que estás a dizer para comermos”; Ao que a serpente responde “de certo não morrereis, mas os vossos olhos se abrirão e vós vos tornareis iguais a ele, porque então sabereis porque deves ou não fazer isto ou aquilo e podereis escolher, por vossa própria vontade, o que querem fazer”. “Isso se chama desobediência” disse Eva”. “Não” respondeu a serpente, “chama-se liberdade.”
Nessa altura, como se pode imaginar, Eva já estava possuída pelo desejo de provar daquele fruto, que parecia tão apetitoso aos seus olhos e tão atrativo para os desejos do seu corpo. A mulher, como se sabe, é a parte mais sensível da espécie humana. Ela é mais suscetível a discursos que estimulam a sua vaidade, elevam a sua autoestima e prometem satisfação aos seus desejos. Esse era o ponto mais vulnerável dela e foi por aí que Samael a conquistou. “A tua posteridade a chamará de Chavvah, cujo significado é vida. Porque tu, Eva, será aquela que dá a vida e todos a reconhecerão como a mãe da humanidade.”
“Como já deves ter percebido” continuou Samael, e agora, aos olhos de Eva, ele já se mais se apresentava na pele de uma serpente asquerosa, mas sim na sua própria aparência angélica, belo e radioso mancebo, vestido com suas roupas de luz, “Deus é um patriarca misógino e ciumento. Por isso, ao criar o homem, Adão, o teu marido, ele o fez modelando um boneco feito de barro, água, fogo e ar. Poderia tê-lo feito com prazer, como todas as criaturas que ele criou fazem. Mas para ele, o prazer é coisa má. É pecado. Mas ele quer que a terra seja povoada com muitas criaturas como vocês. Quanto trabalho ele não teria se tivesse que fazer todos os habitantes da terra pelo mesmo processo? Foi por isso que ele disse : “crescei e multiplicai. Enchei a terra com os vossos descendentes. Mas como vós preferis fazer isso? Como os animais, que fazem seus filhos por mero instinto, ou com prazer e consciência do que estão fazendo?” Claro está que Samael não tinha nenhuma preocupação com a gramática, que naquele tempo nem era ainda uma preocupação que preenchia o cérebro dos homens. Por isso ele ia da primeira á segunda pessoa e às vezes à terceira no seu discurso, e isso, a bem de ver, não o tornava menos inteligivel á Eva, mas até que bem mais sedutor.
Se admitirmos que nessa metáfora há um sentido sexual oculto podemos imaginar que Samael, na verdade está convidando Eva a deitar-se com ele e experimentar o prazer de um orgasmo, coisa que até então ela nem sabe que pode existir. Algumas versões dessa história dizem que foi exatamente isso que aconteceu. Que o episódio do fruto proibido foi, na verdade o despertar da sexualidade humana, provida pelo primeiro ato sexual praticado na terra. E que ele não aconteceu entre Adão e Eva, mas sim entre Eva e o anjo caído, que a maioria conhece pelo nome de Satanás, Lucífer, Satan, etc. mas que agora sabemos, seu verdadeiro nome era Samael. E sobretudo, não esqueçamos que Lilith, a primeira mulher de Adão não deixou que ele a penetrasse, porque não queria fazer sexo à maneira de mamãe e papai e por isso o deixou antes que se consumasse o himeneu,
Mas o que pouca gente sabe é que dessa relação nasceu o primeiro filho do casal, Cain. Essa informação pouca gente tem e não se pode, com absoluta certeza, afiançar a sua veracidade. Mas tudo pode ser. Dessa, que podemos dizer, foi a primeira fofoca maldosa da história trataremos mais tarde, mas por ora, deixamos na caraminhola do leitor essa dúvida, porquanto ela pode ter alguma relação com os fatos que aconteceram depois e deram supedâneo a toda a história que se conta no livro desses nossos primeiros ancestrais.
Claro está que por canônicas informações essa narrativa estará de pronto condenada e contestada, até porque para qualquer um de nós seria muito difícil admitir que a nossa própria mãe, já na aurora da sua relação conjugal cometeu adultério, contaminando de cara a descendência da família humana. E também não nos parece pacífica a ideia de que o prazer do sexo seja o verdadeiro pecado original pelo qual o próprio Jeová tivesse mais tarde que mandar à terra o seu filho mais querido, Miguel, vestido de carne e osso para sacrificar a sua vida terrena para oferecer á humanidade contaminada uma chance de regeneração. O que nos parece mais correto é a dedução que se tira a partir desse fato, ou seja, de que ao experimentar o prazer dos sentidos, e tomar consciência dele, o ser humano, a partir daí tornou-se realmente humano, ou seja, impregnado tanto pelo bem como pelo mal, porque uma coisa é fazer algo que causa prejuízo a alguém sem saber que está fazendo e outra é saber que a fazemos porque queremos fazer e gostamos disso. Se o homem foi feito para refletir na terra os atributos do Senhor, naquilo que poderíamos chamar de santo, perfeito, virtuoso, pleno de bondade e amor, a partir da experiência sensual, e do prazer que ela lhe trouxe, ele passou também a experimentar as sensações que fizeram dele uma criatura profana, imperfeita e viciada, contaminada pelo ódio, pela ambição e principalmente a luxúria. Ou seja, o homem tal qual ele é.
(continua)