Adão, Adama, o homem feito do barro vermelho da terra, misturado com o sangue dos deuses, os chamados elohins, foi criado a partir de um espécime animal que eles, os elohins, escolheram entre as várias espécies que haviam se desenvolvido no planeta. Sua criação foi planejada para atender uma necessidade que o Senhor ― o supremo rei de todos os deuses, conhecido como Jeová por nós, os ocidentais, ou como Brhaman pelos hindús, Rá pelos antigos egípcios, Anú pela mais antiga civilização da terra, os sumérios, e muitos outros nomes, que segundo se diz, chega a dez bilhões, mas que gosta mesmo é de ser chamado de Deus ― tinha de ter aqui no nosso pequenino planeta um ser que lhe correspondesse em todos os sentidos que um ser supremo pode querer.
É que ele, Deus, era uma incógnita, uma existência negativa perdida nas solitudes cósmicas, que por ser completamente ignorado, pode-se dizer que não existia. Então ele quis tornar-se conhecido e resolveu fazer o mundo. Mas o mundo, por si só, sem uma consciência que dele tomasse conhecimento de pouco adiantaria para o seu propósito de se tornar conhecido. E foi por isso que ele fez o homem. Destarte, o homem foi feito justamente com essa finalidade, ou seja, a de ser a consciência de Deus na terra. Através da consciência humana Deus se apresenta ao mundo real como uma presença positiva e atuante. E mostra a sua existência, que de outra forma não seria notada.
Agora, claro que Deus é Deus e tudo pode fazer, mesmo usando os métodos mais bizarros que se possa imaginar, como aquele pelo qual os relatos canônicos nos fizeram crer que a humanidade começou. Pois eles nos dizem que ela começou assim, com um passe de mágica feito por um prestidigitador que pega um boneco de barro, sopra na sua boca, ou no seu ouvido, ou como quer que seja que essa mágica foi feita, uma palavra, e imediatamente tem-se um homem perfeitinho, levantando-se, todo pimpão, como se estivesse num desenho animado.
Mas quem acredita nessa narrativa talvez não tenha lido nas entrelinhas que o livro sagrado nos oferece. Pois de pronto se nota que Adão, tido como o pai da humanidade, na verdade, não o é, até porque, como o próprio livro informa, antes dele já havia na terra criaturas semelhantes ao homem, o que se infere pelo episódio envolvendo o seu amaldiçoado filho Cain, que sendo expulso da presença de Deus, encontrou em terras a nascente do Éden uma esposa e, presumimos nós, uma civilização já bastante avançada, segundo informam fontes mais antigas.
Do que se narra no livro que se tornou a fonte de todas as nossas crenças, Adão levantou-se do seu molde de barro, limpo, prontinho, com uma pele lisa e bonito como um anjo, como de fato se informou, que ele foi feito à imagem e semelhança dos elohins que o formaram. E podemos imaginar como teria sido a cara que Adão fez ao se levantar e ver a si mesmo como um ser tão diferente daquele de onde proveio. Porque dessas mesmas fontes temos informação que na verdade ele foi obtido a partir de uma operação bem menos taumatúrgica do que aquela que o referendado livro fala. Pois que, na verdade, o que Deus fez para criar Adão foi uma operação de mutação genética que ele e seus companheiros elohins fizeram em uma espécie de símio já bastante avançado em sua evolução biológica, misturando os genes desse, que os acadêmicos chamam de homus erectus, que ainda podia ser considerado um animal, com os genes de um elohin, dando como resultado o que se chamou de homo sapiens.
Tudo pode ser. Aliás, não precisamos ver em Deus um mistagogo no exercício da sua profissão de ilusionista, transformando bonecos de barro em pessoas humanas. Por vias bem mais processuais, lógicas e verossímeis, porquanto hoje até mesmo os homens já podem imitar, ele bem que pode exercer suas habilidades de engenheiro genético e fazer uma operação dessas sem provocar nenhuma perplexidade. E temos para nós que foi isso que ele fez. O que justifica todas as teorias que se levantaram a respeito desse ainda espesso mistério que é a origem do homem e a sua evolução, até transformar-se nesse caniço pensante que ele é, como o definiu um renomado filósofo.
Que antes de sermos o que somos já fomos algo diferente parece que está provado pelas pesquisas acadêmicas que dão conta de muitas etapas anteriores na saga do homem sobre a terra. Não temos necessidade de crer numa narrativa mais que nas outras, mas causa-nos espécie que o protótipo do homem representado pelo Adão que nos foi apresentado tivesse nascido em um determinado lugar do planeta e não em outro, e que certo grupo humano tenha sido escolhido para evoluir e outros não, de forma que até hoje ainda encontramos em muitos lugares da terra pessoas tão inocentes e sem conhecimento do bem e do mal como se diz que era o casal humano antes do propalado episódio da comilança do fruto do conhecimento.
Sem dúvida fica mais fácil para a nossa cabeça ver o nosso papai Adão levantando-se, ainda tonto pela anestesia, de uma mesa de cirurgia, rodeado pelos elohins que fizeram a operação e os outros que apenas a assistem, que diga-se a bem da verdade, era ainda experimental. Disso sabemos porque o próprio livro que conta essas peripécias diz que os elohins, ao confabularem para fazer a dita operação, disseram “façamos o homem à nossa imagem e semelhança” assim mesmo, no plural, o que mostra que tal operação não foi realizada por uma pessoa só, se é que podemos chamar Deus, ou os elohins de pessoa. Ademais, não se pode considerar como uma falha gramatical do redator desse episódio, que por suposto teria utilizado uma duplicidade de pronomes na sua redação, tomando por plural o que devia ser singular e coisas tais, porque no mesmo conto da criação vamos encontrar Deus dizendo coisas como “eis que o homem se tornou um de nós”, o que faz supor que ele não estava só nessa empreitada. E a não ser que se compute a Deus a tolice de falar sozinho, que é coisa de doidos, e isso não se pode dizer de Deus, o que fica dessa informação é que o homem, seja qual for a forma pela qual foi feito, não foi obra de uma entidade só. E também pode-se dizer que se o homus erectus é um produto da evolução, o homus sapiens, por sua vez, é uma criação dos deuses, e assim resolvemos de vez essa dúvida medonha que o tal de Darwin colocou nas nossas cabeças com a sua herética tese de que o homem é um macaco que aprendeu a pensar. Fica aqui registrada a nossa contribuição para a solução dessa polêmica e fica também, desde já, liberada para domínio público o uso dessa solução para qualquer debate que se trave sobre esse assunto, e nem fazemos questão de sermos citados como fonte.
Ademais, segundo o que se informa desse nosso pretenso primeiro ancestral é que ele deveria constituir algo diferente do que já havia na terra entre os seres viventes, que nem nome para identificá-los tinha ainda, tanto que o Senhor lhe delegou a tarefa de nomeá-los para que eles pudessem ser distinguidos uns dos outros. Que o homem Adão era um protótipo, sabemos porque a própria informação canônica desse fato nos dá conta que ele era uma cópia única, que não tinha semelhança com nada que havia na terra, nem usufruía da prerrogativa dada por Deus aos outros seres viventes, que era o fato de serem macho e fêmea, com organismos propícios para se unirem e produzirem crias à sua imagem e semelhança.
Isso era algo que ele não tinha e por conta disso podemos entrar na pele do nosso papai Adão e vê-lo perguntando a Deus, ou ao elohin, ou elohins que fizeram dele uma alma vivente "Senhor, porque só eu não tenho uma companheira em quem possa depositar minha semente e gerar criaturas à minha imagem e semelhança?” E ele, ou eles, percebendo que, de fato, haviam cometido essa falha, pois que, vendo que todos os animais estavam se acasalando e produzindo as suas crias e o homem não, ficaram com pena dele e resolveram então fazer-lhe uma fêmea para servir-lhe de adjutório para esses fins de procriação. Que não me queiram mal as feministas por causa dessa palavra feia que foi usada para se referir à mulher, pois que ela não é da nossa lavra, mas foi exatamente esse o termo que o contista dessa narrativa usou e nós só estamos reproduzindo.
E assim foi feita a mulher, por um processo semelhante ao que foi desenvolvido para gerar o homem Adão. Só que, ao invés de misturar o barro da terra ― aqui entendido como sendo um símio em estado mais avançado de evolução genética, algo como os tais homus erectus, ou homens de Neandertal, que os acadêmicos dizem ter sido os nossos ancestrais― o que os elohins fizeram foi retirar uma célula da costela de Adão, manipulá-la geneticamente e enxertá-la no bucho de uma fêmea neandertalesa, para ter, como resultado, uma mulher para ele. Fica aqui a dúvida de como se criaram essas duas criaturas assim produzidas, pois mesmo considerando-se que ambas foram obras de Deus e Deus tudo pode, não devemos, por foros de seriedade intelectual, computar ao Senhor truques de mágica, o que seria se ele já tivesse tirado dessas operações duas criaturas já adultas. E já que estamos dando a ele a chance de desvestir-se dessa capa de mistagogo que os cânones lhe deram, vamos por na sua conta que ele os criou como filhos que eram, naquele jardim que ele plantou no Oriente, na cabeceira de um rio que se dividia em quatro correntes, duas das quais eram o Tigre e o Eufrates, o que nos dá uma ligeira orientação do lugar onde esse jardim ficava.
E quando Adão e Eva chegaram à idade adulta, Deus, que agora já podemos chamar de Jeová, pois é ele mesmo o chefe dos elohins, lhes disse “eis que o homem deve unir-se à sua mulher e ser como uma só carne, e os seus descendentes farão o mesmo pois o homem deixará seu pai e sua mãe para unir-se à sua mulher”, o que significa que o casal humano teria como missão começar uma família de seres humanos.
Vamos que vamos nessa toada porquanto na narrativa desse conto encontramos também a informação de que Deus, ou os elohins que fizeram essa proeza descansou, ou descansaram, depois desse ingente trabalho de engenharia genética e após esse trabalho de criação dos filhos assim produzidos. Afinal, ele, ou eles, bem que mereciam esse descanso depois desse estressante trabalho, que todos nós sabemos, não é brincadeira. E então, como está escrito, Deus disse ao homem e sua mulher para cultivar e cuidar daquele belo jardim que ele e seus companheiros elohins haviam plantado no oriente, naquele lugar que se chamava Éden, o que nos força a pensar que o homem não fora feito somente para servir de consciência para Deus na terra, mas também para ser uma espécie de servo, ou caseiro― como quer que se possa chamar alguém que cuida de um pomar para outra pessoa― de Deus. E nesse sentido, depois de ter feito e criado o homem ele pode descansar, como está dito que ele fez, e depois se confirma tudo isso com a informação de que ele costumava passear naquele jardim, em direção ao por do sol, o que nos dá bem a ideia de que Deus e seus companheiros bem gostavam de fazer um happy hour depois do trabalho como qualquer mortal que eles não eram.
(continua)