Algo de mim ficará nas coisas que toquei,
Nas mãos que, calorosamente, afaguei,
Nos lábios que, sofregamente, beijei;
Algo de mim ficará nos lugares que passei
Onde minha sombra recortou a luz
E fez com ela uma silhueta para o tempo
Preencher o álbum das identidades.
Do meu tempo ficará um pouco,
Como um relógio a marcar os dias
E os anos de uma época qualquer
Que eu assinalei com as minhas palavras
Marquei com os meus passos trôpegos
E aqueci com o calor do meu corpo.
Do meu ódio ficará algum. E muito mais
Da minha inveja e do meu prazer.
De todos os meus sentimentos
Ficará um resquício pairando no ar
Como um vento de outono
Soprando folhas mortas pelas ruas desertas
De uma tarde melancólica.
Mas sobretudo, ficará um pouco
De tudo que eu senti e fiz sentir.
Do meu amor, da minha dor,
Das minhas esperanças
E do meu Porvir...
Algo de mim há de ficar...
Os meus rastros sobre a terra
Minha voz na canção do vento
Minha respiração no ar...
O toque das minhas mãos nas coisas
As imagens que meu cérebro montou
E as palavras que a minha laringe,
Dele recebeu e elaborou.
Sobretudo, ficará de mim,
Os pensamentos que eu emiti,
Incorporados à essa atmosfera sutil,
Que aureola toda a terra.
Essa atmosfera formada
Por todos os pensamentos emitidos
Em todos os lugares e tempos,
Que Chardin chama de Noosfera.
Assim, sobrevivo à minha passagem pela terra,
E escapo da voragem da entropia.
Sou energia enrolada sobre si mesma
E minha carne se espiritualiza em pensamento.
Minha mente se agrega ao espírito da terra
Como mais um neurônio na mente do universo.
Agrego-me ao Princípio Único primordial.
Dessa forma, a simbiose se completa
E a razão do meu Ser se justifica.
Mansamente, como rio que o oceano absorve,
A minha alma descansa nos braços da eternidade.