Conformidade é um país que fica além do horizonte dos nossos olhos e próximo à fronteira dos nossos hábitos. Lá, desde tempos perdidos na memória dos seus habitantes, todas as pessoas, desde a mais tenra idade eram obrigadas a carregar um saco de pedras nas costas. Assim que começavam a andar e conseguiam se sustentar nas próprias pernas, os cidadãos de Conformidade recebiam o seu saco de pedras, e na medida em que iam crescendo, o saco também era aumentado em tamanho e peso.
Carregar um saco de pedras nas costas era uma lei existente em Conformidade e ninguém jamais ousara contestá-la. Naturais e estrangeiros, indistintamente, tinham que cumpri-la, pois, a desobediência era punida com a pena de morte. Ninguém sabia mais quando, porque e por quem fora promulgada essa lei, mas o certo é que ela era tão antiga que as crianças em Conformidade já nasciam com uma postura encurvada e uma enorme calosidade nas costas, de sorte que o país passou a ser conhecido como a terra dos corcundas.
Tudo estava bem até o dia em que um desconhecido chegou ao país. Era noite e todo mundo estava dormindo no posto alfandegário da fronteira. Como ninguém o parou, o indivíduo entrou tranquilamente no país e caminhou em busca de um hotel.
Amanhecia quando ele chegou à cidade mais próxima. A primeira pessoa que o avistou saiu correndo apavorada. A segunda soltou um grito de terror. A terceira olhou para ele com espanto. A quarta com desprezo. A quinta chamou a polícia.
Em menos de uma hora o estrangeiro já tinha sido preso, amarrado como um escravo fugitivo e levado perante um colérico e atônito tribunal, cujos juízes pareciam não acreditar no que estavam vendo: uma pessoa andando pelas ruas do país sem um saco de pedras nas costas!
Ciente do seu crime, foi concedido ao estrangeiro o direito de dizer algumas palavras em sua defesa. Isso era praxe em Conformidade, pois seu ordenamento legal não admitia que ninguém fosse condenado sem que pelo menos tentasse provar sua inocência. Embora cientificado de que nada do que pudesse dizer poderia justificar a enormidade do delito cometido, o estrangeiro levantou-se e disse: “Senhores Juízes, bem sei que a ignorância da lei não exime o criminoso da pena que lhe é cominada pelo seu descumprimento. Sinceramente, eu não sabia dessa lei que existe em vosso estranho país, que os obriga a carregar, pela vida toda, um saco de pedras nas costas. Não me insurjo contra ela porque sei que as normas são feitas para serem cumpridas. Só vos peço que me esclareçam uma coisa, para que eu não sinta que morri em vão: qual é o objetivo dessa lei e qual o bem que ela faz para o povo desta terra?”
Os juízes olharam uns para os outros, surpreendidos com a pergunta. Passados alguns minutos, o que parecia ser o presidente do tribunal, respondeu: “Não sabemos. Essa lei é milenar e todos a cumprimos sem jamais questionar. O que isso importa? Como tu mesmo dissestes, as leis são feitas para serem cumpridas. Se ela existe, alguma razão deve ter e nós não podemos desobedecê-la.”
“O que aconteceria se ela fosse desobedecida?” perguntou o estrangeiro?
Novamente os juízes se entreolharam e ninguém foi capaz de dar uma resposta.
Para encurtar a história, o estrangeiro foi condenado e sua pena foi executada. Mas no dia seguinte um dos juízes escreveu ao rei e ao Parlamento perguntando por que os habitantes de Conformidade deviam carregar, pela vida toda, um saco de pedras nas costas? Nem o rei nem os membros do Parlamento souberam responder à questão, e o juiz que a formulou perdeu o emprego. Ninguém mais o viu, mas não demorou muito para que outros habitantes de Conformidade também começassem a perguntar: o que aconteceria se as pessoas deixassem de carregar um saco de pedras nas costas?
Hoje, quem for à Conformidade encontrará um povo que caminha ereto e suas crianças, quando nascem, não apresentam mais nenhuma calosidade nas costas. E toda vez que alguém diz a um habitante do país que ele deve fazer alguma coisa, ele pergunta: o que aconteceria se eu não fizesse?
Aliás, o país mudou de nome. Chama-se agora Horizonte Infinito e é conhecido como a terra das infinitas possibilidades.
Esta metáfora foi inspirada no mito de Sísifo, mítico personagem das lendas gregas que personifica o homem na sua eterna procura pelo sentido da vida. Filho do rei Éolo, da Tessália, tornou-se rei da cidade estado de Corinto. Por ser muito rebelde, desafiando as tradições e desprezando as crenças nos deuses gregos, foi condenado por Zeus a carregar eternamente uma grande pedra até o alto de uma montanha. Toda vez que ele chegava ao cume da montanha com a pedra nas costas, ela caia e rolava montanha abaixo e ele era obrigado a ir buscá-la. Assim, Sísifo tornou-se o símbolo do homem que vive em um mundo feito de tradições e crenças que lhe são impostas, muitas vezes incompreensíveis e absurdas aos seus próprios sentidos, mas que ele tem que cumprir em razão do sistema em que vive, pois todo aquele que se revolta contra ele acaba sofrendo o seu castigo.
O mito de Sísifo tem uma grande influência na chamada filosofia do existencialismo, onde o tema é a procura do sentido da vida. Nele, o homem tudo faz para preencher uma existência que sem crenças, tradições, ideologias, esperanças, sonhos e valores, seria um imenso vazio que a tornaria insuportável, levando-o até mesmo ao suicídio.
A metáfora em questão se refere à liberdade que toda pessoa tem para desafiar padrões que lhe parecem absurdos e de consequências nocivas ou mesmo inúteis para ele e para a sociedade. Não raras vezes pagará caro por isso, mas aqueles que o fazem são os verdadeiros atores da História, pois a vida, se ela tem um sentido, ele está naquilo que o homem consegue crer e justificar para si mesmo.