João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


 

O SEGREDO DA CHINA

Uma via que pode ser traçada não é a via Eterna, o Tao.

Um nome que pode ser pronunciado não é o Nome eterno.

O Sem Nome está na origem do Céu e da Terra,
Com Nome é a Mãe dos Dez Mil Seres.
Assim, Um Não-Desejo eterno exprime sua essência,
E por meio de Um Desejo, se manifesta num limite.
Ambos os estados coexistem inseparáveis e diferem apenas no nome.
Pensados, juntos, Mistério!                                   

Mistério dos Mistérios, é o portal de todas as essências.
                                                                Tao Te King- Verso 1
                                                                                        

Esse é o verso de abertura do Tao Te King, o livro base da crença mais antiga da China, o Taoísmo. Uma crença não deísta, não revelada, que não tem uma “entidade” como criadora de todas as coisas, mas sim, um Princípio, uma força que a partir de algo inimaginável pela consciência humana se manifesta e gera toda a realidade do universo material e espiritual. O Tao é uma espécie de energia que pode ser comparada a Deus, nas crenças deístas. Mas a concepção que os taoístas têm desse Princípio afasta-se da ideia que os deístas atribuem a Deus, porque este Princípio não age no universo com uma vontade a orientá-lo. Ou seja, o Tao não se preocupa com o destino dos homens, nem o dirige para um propósito. Os homens fazem parte do mundo que o Tao constrói, estão sujeitos às suas leis, mas são tão importantes quanto uma árvore, uma nuvem, um pássaro, para o conjunto da obra. Nem mais nem menos. Nesse sentido, a sociologia taoísta não se afasta muito do conceito marxista de uma história que se desenvolve segunda uma dialética de forças que se opõem e com essa oposição constroem uma realidade que se manifesta em obras. Talvez isso explique a facilidade com que Mao Tsé Tung conseguiu derrubar uma forma de governo que durou milhares de anos e pode disseminar a sua doutrina num país de mais de um bilhão de pessoas em menos de duas décadas Tudo se apoia na prática. Só importa o resultado. Todos tem que trabalhar para se integrar no Tao e evitar que ele, como força construtora do universo se desiquilibre.

Atribui-se ao filósofo Lao-Tse a autoria desse famoso livro, embora muitos estudiosos tenham dúvidas se existiu mesmo alguém com esse nome, Há quem acredite que os textos do Tao Te King foram produzidos por diversos autores independentes e compilados pelos adeptos dessa doutrina. Esse é o problema de todos os livros sagrados. Difícil é determinar-lhes a autoria. A própria Bíblia apresenta essa dificuldade. Não são poucos os estudiosos que duvidam da autoria dos textos atribuídos á Davi, Salomão, Moisés e outros nomes ali referendados.[1]

 

Segundo alguns historiadores, Lao-Tse nasceu por volta de 570 a C. na aldeia de Hai, e seu verdadeiro nome era Eul Li. Lao-Tse é um apelido que lhe foi dado por seus discípulos, que quer dizer Velho Mestre.

Para a maioria dos seus biógrafos, Lao-Tse viveu da mesma forma que pregou. Inimigo da publicidade e das honras públicas, preferiu viver no anonimato, ensinando poucos alunos de cada vez e sempre fugindo quando seu nome começava a ser muito citado.
O Tao Te King é uma obra admirável que revela com muita propriedade o espírito chinês. Lacônico, é um livro que trabalha mais com imagens do que com palavras. Para entendê-lo é preciso ter em mente o profundo respeito que a antiga civilização chinesa tinha para com a natureza, a organização do estado, a família e o respeito que se deve votar à tradição e aos ancestrais. O verso acima, que abre o Tao Te King é de uma admirável sutileza e concisão. Revela não só a ideia que a antiga filosofia chinesa tinha acerca da origem do universo, como também nos oferece um rico exemplo de intuição científica, já que a cosmogonia que ele expressa fornece uma formidável analogia com a descrição que os cientistas vêm fazendo em suas descobertas acerca desse assunto.[2]

 
Dizem os taoístas que uma via que pode ser traçada não é a Via Eterna, o Tao. Isso que dizer que a sabedoria verdadeira, aquela que vem de Deus não pode ser conhecida pela mente humana. Ela está fora do alcance da nossa especulação. Isso porque, como diz Stephen Hawking, o que aconteceu antes do Big-Bang está fora do tempo e a mente humana só pode trabalhar com a noção de tempo e espaço.

A mente humana não pode traçar a Via Eterna, pois o homem não a conhece. Da mesma forma, Deus não tem nome conhecido, pois um nome que pode ser pronunciado não é o Nome Eterno, ou seja, o Verdadeiro Nome de Deus. Os hebreus viriam a desenvolver semelhante ideia ao enunciar o conceito do Sagrado Nome de Deus, Nome desconhecido e impronunciável, que eles só podiam divulgar através de um Verbo ― Eu Sou, ou através de um símbolo que representava poder: Adon, o Senhor.[3]
 O Sem Nome está na origem do céu e da terra, dizem os taoístas. Segundo a Cabala, os nomes que os homens dão a Deus são apenas termos que exprimem suas diversas manifestações no mundo real. Todas as coisas que podem ser nomeadas são mundanas, pois foi o homem que deu nome a elas (Gênesis, 2:20:21). A Terra é a Mãe dos “dez mil seres”, ou seja, a humanidade. Deus, ao manifestar-se como “coisa real”, deu origem ao céu e a terra, por isso, a humanidade, que são os “dez mil seres”, também é parte de Deus, a parte que exprime a sua presença no mundo como um ser real e existente.

Os cientistas se perguntam o que Deus fazia antes de começar o universo. Pois o começo do universo, segundo a ótica da ciência, foi a grande explosão, o Big-Bang. Mas o Big-Bang foi apenas o começo do tempo e não o começo de tudo absolutamente. Antes do Big-Bang, a energia que eu origem à essa explosão já existia. Os taoístas chamam a essa energia Tao. Era uma energia que existia em estado de latência. Ela existia, como diz a Cabala, numa forma negativa e precisava de um polo positivo para poder circular. O Big-Bang foi o início dessa manifestação positiva. Por isso diz o inspirado verso do Tao: “Um Não―Desejo exprime a sua essência e por meio de um Desejo eterno, manifesta um limite.”

Por isso os cabalistas dizem que o universo, corpo físico de Deus, é sua manifestação como matéria real. Essa intuição, posta em termos científicos, resultou na equação de Einsten, que está na origem da teoria da relatividade: E=mc². Ou seja, energia gerando massa através do seu movimento, acelerado ao quadrado da velocidade da luz. O universo, corpo físico de Deus, pode ser limitado, medido, esquadrejado. Deus, o Tao, a potência, a energia que já existia antes de começar o universo, não. Esta existiu desde sempre e existirá para sempre, pois como o próprio cientista Lavoisier enunciou, na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

Por isso diz o Tao: ambos os estados coexistem inseparáveis. Pois a massa não pode existir sem a energia, e a energia, sem a massa é pura existência não manifestada, ou seja, existência negativa. Assim, Deus é energia manifesta. O universo é o corpo material de Deus. Assim diz a Teosofia e assim também revela a sabedoria da Cabala.

Essa é a fantástica intuição do filósofo Lao-Tse, exposta no primeiro verso do Tao Te King. Uma visão análoga às modernas teses defendidas pela ciência atômica mais avançada e conforme as visões taumatúrgicas dos antigos mestres. Uma formidável intuição que tem mais de dois mil e quinhentos anos.

Panteísmo, naturalismo, visão mística de uma realidade que não pode ser logicizada? Pode ser. Mas a sabedoria da China aí está para ser compreendida e estudada porque ela está se cristalizando em um formidável desenvolvimento material. E será difícil para a mente ocidental entender o que está acontecendo hoje nesse estranho e fascinante país se não se entender o que é o Taoísmo e o que ele propõe. Talvez entre a China do Tao e a China que Mao Tse Tung legou aos seus contemporâneos, não exista tanta distância assim. No fundo talvez seja apenas uma questão de linguagem e manipulação de símbolos. Pois como pensam os existencialistas, entre o céu e a terra não existe bem e nem mal, mas apenas criaturas procurando sobreviver. E que o que elas fazem para garantir isso só pode ser julgado pelos resultados que suas ações produzem. O resto é filosofia.


 

 


[1] É o que pensam Israel Finkelstein e Neil Ascher Silberman, por exemplo, dois arqueólogos e historiadores judeus que colocam dúvidas sobre a real existência de personagens bíblicos como Moisés, Abraão, Josué e outros, sugerindo que a maior parte das crônicas do Antigo Testamento teriam sido compiladas por rabinos judeus da corte do Rei Josias (640 a 609 a.C ). Esse rei é citado na Bíblia em Reis II.  Vs.22 e 23; 2 e Crônicas Vs.34 e 35, como sendo um monarca que efetivamente organizou o povo judeu em um verdadeiro estado. Ver, a esse respeito, A Bíblia Não Tinha Razão, Ed. Girafa, 2001.

[2] Vejam-se as obras de Stephen Hawking, (Uma breve História do Tempo e O universo em uma casca de nós) e as notáveis comparações feitas por Fridtjof Capra entre as intuições dos antigos taumaturgos com as descobertas da moderna ciência atômica em suas obras ( O Tao da Física e Pertencendo ao Universo e Sabedoria Incomum) Ed Cultrix.

[3] Adon, Aton, é uma raiz da língua semita que significa Poder. Por isso os antigos israelitas chamavam seu Deus de Adonai, o Senhor, aquele que tem todo o poder. Eu Sou significa O Verbo, poder de conjugar tudo que existe, e que estava no Princípio. É na forma do verbo Ser (Eu Sou o que Sou- Gênesis, 3:4) é como Deus se apresentou a Moisés no Monte Sinai (ou Horeb).

 

 

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 20/03/2025
Alterado em 22/03/2025


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras